O céu lá fora está triste. Mais tarde deixará rolar uma ou duas lágrimas, inconsequentes. Vai ser um dia assim sem jeito, sem nada para contar, de horas que se seguem a horas, rotinas que se sucedem.
Uma manhã de actividades comuns que se sucedem… tratar de algum expediente, aviar um pouco de trabalho, ler, jogar xadrez e Fortenite, arrumar e limpar.

O terraço está impracticável. O vento sopra, frio, e não há um raio de sol para compensar a agressão. Come-se qualquer coisa à laia de almoço e acaba-se de se ver a série A Serpente. Preciso de ir ao Espaço Casa e comprar um par de coisas que fazem falta por aqui.
Chove um pouco sobre o carro quando venço os cerca de três quilómetros. Gostei da loja, com colaboradoras simpáticas, bem arrumada, com os produtos atractivos de sempre. Saio com um preciso. Alguns tupperwares, especialmente necessários para fazer gelados. Um cestinho para colocar em cima da mesa com os tarecos do quotidiano, como as chaves e a máscara. E uma tábua de corte.

A tarde passa-se em casa das mesmas tarefas de antes. Apenas das sete da tarde saio um pouco. O dia continua cinzento. Um pequeno passeio até ao Quiosque do Jardim Diana, a tal esplanada que ontem confessei ser a minha favorita em Évora.
Só que nesta cidade um passeio até a um local raramente se limita a ser uma ida e uma volta directa. Há sempre aquele chamamento sem retorno que me empurra por vielas e quando dou por mim estou perdido com o vento, a ver algo, sempre novo, fascinante.

E foi assim que andei às voltas, visitando aqui e acolá um ponto já conhecido, uma casa vista numa qualquer imobiliária, talvez um antigo sonho desfeito por uma imperfeição descoberta ou confessada. Aquela era a que não tinha terraço, acoloutra sem planos e autorizações para as alterações feitas. E a que afinal já nem estava à venda. Sempre um grão de areia.
Apesar da ameaça de chuva e de ser final do dia – hora a que o centro histórico se esvazia como um balão furado – a esplanada tinha alguns clientes e entre eles uma pequena família de turistas alemães. Talvez os primeiros turistas estrangeiros que vi em dois dias.
Sentei-me a beber a minha água das pedras com limão. O jardim também tinha algumas pessoas. Duas amigas falavam em inglês. Quase de certeza estudantes Erasmus. E depois, três ou quatro pares de namorados para além do pai que levava o seu rebento a um pouco de exercício no seu triciclo.

Levantei-me e fiz algo que há muito desejava fazer, sentar-me num ponto único com vista sobre a cidade desde a extremidade do jardim. Dali, se soubesse para onde olhar, veria o “meu” terraço. Sei disso porque de lá vejo o muro do jardim.
Agora, ver a casa de que o meu agente imobiliário favorito me falou, na rua do popular restaurante Quarta-feira.
As ruas estão no seu melhor com este lusco-fusco. Tarda o acender dos candeeiros. Já são oito horas, a escuridão ameaça, mas nada de iluminação camarária. Espero ansiosamente pelo momento. É a melhor altura para fotografar uma cidade histórica, aquela em que a luz natural que se esvai toca os amarelos da iluminação pública.
Passo pelo Quarta-Feira. A casa não a encontro, mas sei que nesta rua não. Demasiada agitação, mesmo nesta época estranha. O restaurante movimenta muita gente, ouvem-se os carros a passar na rua principal e ainda há outro bar, mais ou menos fechado, mas olhando-me, como que numa ameaça velada.
No regresso a casa ganho vontade de comer um prato de comida quente. Vou à Tasca das Portas de Avis e peço meia-dose de lombo de porco assado. Estão quatro homens à espera. Para ser a sopa dos solteiros. Está também um polícia que reconheço de outras andanças. Nada do que possam estar a pensar: o ano passado visitei uma casa que estava à venda e o simpático graduado da PSP era o proprietário. E agora ali estava, no interior do restaurante, a recolher os quatro sacos que continham a encomenda para a corporação. Só que não eram quatro mas três. O quarto era o meu lombo, que escapou por pouco à abdução, e apenas porque o heróico funcionário do restaurante correu através da polícia, como quem diz “agarra que é ladrão”. E voltou, com o meu saco, que me entregou diligentemente.
E foi assim que regressei a casa com um jantar para me acompanhar na fase iniciar do serão, enquanto via um pouco de futebol.
Depois, pouco mais. Um episódio da série Caminos, produzida pela RTP, sobre um grupo de caminhantes que no Caminho de Santiago encontra a amizade mútua.







