Oh época danada, com COVID a ameaçar confinamentos e problemas de saúde, não é a melhor para viagens e aventuras, mas é a que é e depois não há ninguém que me diga que as vindouras serão melhores, por isso a vida é para viver hoje. E hoje vou para Évora.
A manhã é feita de alternâncias. Entre a energia reduzida (infecções são tramadas) e as tarefas obrigatórias a gestão é a possível. Agora, esparramado no sofá, a jogar xadrez no tablet com um qualquer ucraniano, e depois a enfiar coisas para os sacos, selecionar na dispensa e no frigorífico o que fica, o que vai para o lixo, o que vem.
Depois há que limpar. A casa não pode ficar nesta confusão. Aspirar, lavar. Pequenos detalhes. O travar da mobília de exterior, no terraço, para que não voe em dia de especial ventania, como já aconteceu. O estendal será melhor guardar, e regar as plantas é conveniente. E isto e aquilo com o medo de esquecer algo importante. Ou não tão importante mas irritantemente necessário.

Assim se passou a manhã, depois veio o almoço e pelas 15:10, terminados os últimos preparativos, ala para norte, com uma paragem preliminar para encher de gasóleo.
Será a primeira vez que perco a forretice e sigo pela auto-estrada quase desde casa. Pela A22 até à saída para a A2 e depois sempre a rolar até finalmente deixar o percurso pago e me dirigir a Beja passando junto a Castro Verde. Já não falta muito, mais 75 km e logo chego. São 215 km que se fazem habitualmente em cerca de duas horas e vinte, mas hoje era uma chegada na famigerada hora de ponta eborense o que adicionou mais uns vinte minutos ao trajecto.
Vamos ficar com velhos amigos, a Carla e o Henrique, este ainda mais velho amigo do que ela, companheiro de muitas aventuras e tropelias nuns tempos d’ouro desta vida, há uns vinte anos que se sentem como um par de séculos.
À entrada no largo (gosto de pensar na localização como uma praceta porque tal como as pracetas lisboetas de que me lembro tem um forte vibe comunitário, é ponto de encontro de pessoas, palpita com a vida própria que o turismo de massas roubou a tantos outros locais) a Carla vinha à janela. O omen de reencontro, reforçado por um outro um pouco mais tarde quando somos nós que olhamos para a rua quando o Henrique vem a chegar.
Vibramos. Está mesmo a acontecer, esta é a nossa casa para os próximos trinta dias. Descarregar o carro, subir escadas. Já estava todo moído por ter andado para baixo e para cima quando carreguei, e agora o tratamento repete-se na descarga.
Por conversa de meses de afastamento em dia nuns minutos é sempre uma emoção. E a casa vai-se enchendo. De sacos, mochilas e monitores. Computadores, botas e jornais que vêm numa tentativa provavelmente nula de colocar a leitura em dia. Já se juntam também livros e caixotes com comida e até alguns utensílios de cozinha que não quis que me faltassem na hora de exercer o hobby dos gelados que me interessa por estes dias.
Agora é que vão ser elas, por isto tudo na ordem. Escolher recantos, preparar um escritório para um mês, deixar já as marcas pessoais pela casa, como o sabonete e os cremes de beleza na casa de banho, os carregadores bem alinhados, prontos para receber telemóveis e Kindles e GPS’s e tabletes e portáteis. Alimentos no frigorífico, uns, enquanto outros são dispersos pelos espaços da cozinha. Faz-se uma infusão.

Uma voz secreta disse-me para olhar pela janela e vejo que na praceta há crianças a brincar, mães atentas que zelam. E pais. Como aquele ali, que fala estranho e parece estar com uma mulher que estranho veste. Apuro o ouvido. Juntando o que vejo com o que ouço penso que serão malaios ou indonésios. O menino deles brinca com os outros, os portugueses, apenas com a linguagem internacional de gaiatos que correm e procuram laços.
Vem uma senhora de idade, máscara a esconder a face. Os meninos acenam-lhe, correm para ela, e o estrangeiro também. Balbucia qualquer coisa para a senhora, que já tinha conversado brevemente com os outros. Ela diz: “Não te entendo“. E os outros, em coro: “Está a dizer o nome dele“. Ouve-se de novo a vozinha do pequeno: “Ahmed“. E ela: “ah Mamede. Muito bem, então adeus Mamede“.

O dia chega ao fim. É hora de subir ao terraço e absorver a luz maravilhosa do por-do-sol. Este é um dos melhores terraços de Évora. É amplo e tem vistas em redor, nenhum outro terraço lhe faz sombra, é um espaço delicioso. Vou sonhando com as muitas horas de leitura que aqui terão lugar nas próximas semanas.
E pronto. O cansaço chega, os amigos recolhem-se. Vou ver uns bocados de jogos de futebol, é dia de Liga dos Campeões, mas talvez pela qualidade da internet a coisa não funciona como gostaria. Há pausas e a imagem não é fluída. Que se lixe. Deu para ter um cheirinho.

Descubro uma possível casa para comprar. Pelo menos para ver, pode valer a pena. Não tem um terraço, que é uma condição obrigatória, mas promete um pátio interior que pelo menos nas fotos é prometedor. Faço um contacto e encaminho as coisas.
Ao serão jogo um pouco de Fortenite. Só para lhe tomar o gosto neste novo lar. E escrevo. Já disse que estou cansado, muito cansado? Vão-se fazendo horas.








